A experiência cotidiana de discriminação reflete um dos mecanismos pelos quais o racismo opera e produz iniquidades em saúde. Reconhecendo essa realidade, foi aplicada, pela primeira vez nacionalmente, a Escala de Discriminação Cotidiana, originalmente proposta pelo Professor David Williams, da Universidade de Harvard. A escala foi tema da primeira rodada do inquérito Mais Dados Mais Saúde, realizado por Vital Strategies e UMANE, com parceria governamental do Ministério da Igualdade Racial (MIR), parceria técnica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e apoio do Instituto Devive.
Os resultados dessa abordagem revelaram que a população preta e parda no Brasil relata maior frequência e mais razões para discriminação no dia a dia. Essa análise faz parte de um esforço para avançar na compreensão de como o racismo e o estresse decorrente da discriminação podem impactar a saúde da população.
Pesquisas ao redor do mundo indicam que experiências de discriminação representam uma forma de estresse psicossocial, afetando negativamente a saúde mental e física de diferentes grupos raciais e étnicos. Evidências demonstram que a discriminação pode ser um elemento central nas desigualdades raciais observadas em diversos indicadores de saúde.
No Brasil, a discriminação é um dos fatores estruturantes das desvantagens econômicas e sociais enfrentadas por grupos raciais vulnerabilizados. Diante desse cenário, a Escala de Discriminação Cotidiana foi aplicada nacionalmente para identificar e quantificar essas experiências, evidenciando a dimensão do problema.
A coleta de dados da Escala de Discriminação Cotidiana foi feita por meio de questionário via internet, sem interação humana. A amostra consistiu em 2.458 registros coletados em todo o Brasil entre agosto e setembro de 2024. Buscando maior representatividade da população brasileira, pesos amostrais foram criados a partir dos dados coletados pelo Censo 2022 e da Pesquisa Nacional de Saúde 2019.
Para identificar a percepção sobre experiências de discriminação, os entrevistados responderam à seguinte pergunta. Na sequência, foram apresentadas dez situações e, para cada uma delas, era possível selecionar uma das seguintes opções de resposta.
Ao considerar apenas as respostas “frequentemente” e “sempre”, observou-se que as experiências de discriminação foram mais prevalentes entre a população preta, com destaque para três situações que aproximadamente 50% dos respondentes desse grupo indicaram ter vivenciado.
57,0%
relataram “recebo um
atendimento pior”
51,2%
afirmaram
“sou tratado
com menos
gentileza”
49,5%
disseram “sou tratado com menos respeito”
Na População parda:
44,9%
relataram “sou tratado com menos gentileza
37,4%
afirmaram “agem como se fossem melhores que eu”
32,1%
disseram “sou tratado com menos respeito”
A abordagem da interseccionalidade se faz central no processo, pois é fundamental que seja considerado o fato de que os indivíduos frequentemente ocupam mais de uma posição socialmente desfavorecida e que essas podem interagir para moldar suas experiências.
Compreender a experiência de discriminação racial e os seus efeitos é um passo crucial para o desenvolvimento de intervenções e políticas públicas que não apenas visem reduzir as disparidades de saúde, mas também que atuem de forma mais ampla no combate ao racismo estrutural. Embora apenas a documentação da discriminação não corrija as desigualdades, a ausência desse monitoramento dificulta a implementação de políticas efetivas.
A medição contínua e sistemática da discriminação, utilizando instrumentos padronizados como a Escala de Discriminação Cotidiana, contribui para a construção de um diagnóstico mais preciso da situação. Ferramentas como essa possibilitam um monitoramento mais robusto dos impactos da discriminação e permitem a formulação de intervenções baseadas em evidências, complementando abordagens qualitativas e análises populacionais.
É necessário compreender que o racismo e os atos de discriminação racial dele derivados, além de serem uma questão de vivência individual, são um problema estrutural que demanda ações articuladas e intersetoriais. A abordagem interseccional desempenha um papel central nesse processo, pois diferentes formas de opressão se sobrepõem e amplificam os impactos negativos na saúde, especialmente para grupos historicamente marginalizados, como as mulheres pretas.
Apesar dos desafios e limitações na medição da discriminação, a mensuração desse fenômeno possibilita não apenas compreender sua distribuição e magnitude, mas também desenvolver políticas públicas mais direcionadas. Para avançar nesse sentido, é essencial fortalecer pesquisas sobre intervenções eficazes para mitigar os efeitos do racismo na saúde, bem como expandir abordagens interseccionais e considerar variações regionais nas experiências de discriminação no Brasil.
O enfrentamento das disparidades raciais na saúde exige um esforço integrado de múltiplos setores da sociedade. Medidas concretas, como a inclusão da avaliação da discriminação racial em inquéritos nacionais contínuos e o desenvolvimento de estratégias localizadas e sensíveis aos diferentes contextos sociais, são fundamentais para transformar esse conhecimento em ações efetivas.
Veja os dados completos de forma interativa no Observatório da Saúde Pública
A experiência cotidiana de discriminação reflete um dos mecanismos pelos quais o racismo opera e produz iniquidades em saúde. Reconhecendo essa realidade, foi aplicada, pela primeira vez nacionalmente, a Escala de Discriminação Cotidiana, originalmente proposta pelo Professor David Williams, da Universidade de Harvard. A escala foi tema da primeira rodada do inquérito Mais Dados Mais […]